Este texto de Felipe Patroni, publicado no jornal Correio do Imperador, do Rio de Janeiro, nº 24, de 25 de janeiro de 1838, folha 2 e 3, enviado ao blog por Ricardo Condurú, dá para avaliar se o grande paraense era doido ou não ao escrever essas críticas faiscantes contra Bernardo Pereira de Vasconcelos, em 1838.
E vai além: cita o que poderia ser considerada uma autêntica reforma agrária, com a destinação de glebas inundáveis pelo extenso igarapé do Piri entre aqueles que ocupassem e transformassem o alagadiço, que travava a expansão urbana de Belém, em local de hortas, pomares e residências. Com essas benfeitorias, 200 posseiros se tornaram proprietários das glebas.
Também relembra a instalação da primeira tipografia completa, depois da primitiva de Madureira Pará, e ainda o primeiro jornal do Pará, O Paraense. Polemista terrível ele ainda era nessa época.
Transcrevo o documento, com algumas correções e adições que fiz para ampliar a compreensão do documento. Desprovido do medo, como enfatiza, em latim bíblico.
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Patroni ao Sr. Vasconcelos, primeiro ministro do Brasil
Ilmo. e Exmo. Sr.
Até agora guardei silêncio sobre os erros do ministério de V. Exa., porque eram eles filhos do seu entendimento charlatânico, que nada podia fazer de melhor, porque o não podia sentir. Os erros conhece-os V. Exa. em seus maus efeitos, porque a necessidade de figurar nos partidos o tem forçado a conhecê-los assim; quanto, porém, às origens, essas lhe tem sido constantemente desconhecidas. Nasceu V. Exa. para ser charlatão, não pode mais chegar ao terceiro estado da alma que é a filosofia; charlatão há sido sempre, e charlatão há de morrer.
Mas quando os erros nascem da vontade desenfreada de dominar os homens, calcando aos pés tudo quanto há de mais sagrado; então já é vergonha guardar silêncio, porque isso inculca medo, e eu declaro muito alto que de V. Exa. não tenho medo algum. Non enim dedit nobis Deus spiritum timoris, sed virtutis et dilectionis et sobietatis!…[Porque Deus não nos deu um espírito de medo, mas de poder, de amor e de sobriedade… – Bíblia, versão Vulgata]]
À pena, também não deixarei de aceitar o desafio; porque, se bem que não sou charlatão, mas filósofo, contudo não tenho muita precisão de andar decorando livros alheios e jornais de anúncios, para ir à câmara dos deputados pregar sermões de azeites de peixe, impondo de sábio às galerias.
E quanto a dinheiro, oh! Sim que por esse lado tenho eu certeza de vencer, pois V. Exa., apesar de ter tirado da nação uns trezentos mil cruzados em subsídios parlamentares e nos mais proes e precalços [percalços] do ofício, todavia até hoje não tem feito ao Brasil um só bem por mais pequeno que seja.
E eu, Exmo. Sr., eu pobre paraense, tendo apenas lucrado quatrocentos mil réis do meu emprego de juiz de fora da Praia Grande um ano de 1830 a 1831, eu tenho feito ao Brasil algumas poucas utilidades, por exemplo, a de fundar uma bela cidade no grande pântano de Belém do Pará chamado Piri, e isto sem roubar pessoa alguma, sem violentar as algibeiras de um só proprietário, com quatro palavras que insinuei ao presidente escrevesse em um oitavo de papel: – A Câmara Municipal mande distribuir o terreno do Piri pelos proprietários que o dessequem e aproveitem. – E esse alagadiço de quatrocentas braças em quatro foi repartido por duzentos proprietários que imediatamente o aproveitaram, plantando aí hortas, jardins e pomares, e edificando nele bons edifícios; com o que tudo fundou-se a salubridade pública, a utilidade e abastança, e aumentou-se a renda com os foros e décimas. Seria V. Exa. capaz de fazer isso? Respondam as ruas, atoleiros, e mangues da Corte do Rio de Janeiro.
Também fundei no Pará a primeira tipografia depois daquela inventada e fundida pelo meu ilustre conterrâneo, o Sr. Madureira Pará, que pouco serviu, assim como estabeleci o primeiro periódico intitulado – Paraense – que utilizou grandemente a ilustração e independência da minha província. – E V. Exa. seria capaz de tal fazer? Responda. Ouro Preto que viu V. Exa. opor-se à independência e até querer bater a augusta pessoa do Senhor D. Pedro I, quando lá foi. E posto que fosse V. Exa. o protetor e mestre do Sr. José Pedro de Carvalho no estabelecimento da imprensa e periódico do Universal, contudo, é fato que essa imprensa foi que plantou e fez brotar as sementes da anarquia e a revolução de 7 de abril de 1831 da qual V. Exa. é o princípio e o fim, como Satã brasileiro descrito no apocalipse. V. Exa. sabe que eu não sou fanático, mas filósofo um pouco versado nas letras sagradas. Pois bem, estude agora o apocalipse e veja lá descritos com exatidão os passos todos da sua vida pública na astúcia e urdiduras do dragão.
Estava eu finalmente fundando estudos em Formigas do Serro, em honra de V. Exa., tanto assim que já corria a empresa com o nome de – Colégio Vasconcelos. – E não só fiz isto, mas também aconselhei as autoridades daquela vila suplicarem ao governo e à assembleia da província a adoção dos meus programas filosóficos para serem fundados colégios d’educação com trabalho por todas as comarcas. E o governo da província adotou os meus programas, e a assembleia fez um projeto que foi lido na sessão de 17 de março de 1835 pelo Sr. deputado Otoni, adotando minhas ideias. – e que fez V. Exa.? Opôs-se fortemente à fundação dos estudos em Minas, com assombro de todo o mundo que até então estava com os olhos fechados e supunha que era alguma coisa nesta vida o chefe da oposição parlamentar.
Esta só V. Exa., ninguém mais é capaz de a fazer. Opor-se a uma empresa de tanta necessidade e vantagem para a nação, ao mesmo tempo que era dedicada a sua pessoa; tudo isto que é só próprio de V. Exa., verificando-se a sentença do imortal Bocage:
Quem preza a gratidão, não preza o vício;
O mortal vicioso é sempre ingrato.
Vamos agora às obras literárias. Quantas têm escrito V. Exa.? Uma só, o famoso Comentário à lei dos juízes de paz, onde se acha grandemente desenvolvido o saber charlatânico de um rábula formidável, capaz de arrancar a língua ao mais valente Hércules por duas patacas de um Diz [ilegível] que o suplicante.
E eu, Exmo. Sr., eu, triste bacharel que nem ao menos formado sou, pois minha cabeça não foi feita, como a de V. Exa., nos diários das Cortes de Portugal, como o declaram expressamente suas retratações públicas no Sete d’Abril, eu tenho escrito alguns opúsculos que não foram de certo copiados de parte alguma.
Até agora tem sido V. Exa. conhecido pelo maior plagiário do mundo, e a prova de tão feio procedimento está no seu Código Criminal e nas suas posturas da câmara municipal de Ouro Preto, que tudo foi copiado servilmente, palavra por palavra dos códigos franceses. Mas o meu Ensaio d’Educação Pública, física, intelectual e moral, Exmo. Sr., de certo não foi copiado d’algures. E posto que V. Exa. em Minas se opusesse aos meus estudos, contudo parece certo que V. Exa. alguma coisa copiou daquele manuscrito, pois tem andado por muitas mãos no Rio de Janeiro, e por último se achava na do Sr. Ignácio Pereira da Costa em tempo em que V. Exa. estava tratando de criar o colégio de D. Pedro II.
Ora mais alguma coisa do que o Ensaio da Educação Pública é certamente o Código das Recompensas, que V. Exa. tem proclamado como inútil ou inexequível, supondo ser uma rapsódia semelhante aquelas das suas arengas parlamentares, onde se acham palavras de palmo e meio, e sentenças de quinze arrobas.
Patroni.