Girondinos e jacobinos na revolução francesa do Pará

A reprodução da Proclamação dos Cabanos Sublevados no Rio Acará, datada de 24 de outubro de 1834, que Ricardo Condurú publicou no seu blog (Cabanagem Redescoberta), completa o conjunto de documentos já transcritos aqui.

Na apresentação, Ricardo informa que a proclamação foi publicada originalmente no Jornal “Correio Official Paraense”, e republicada no periódico “Diário de Pernambuco“, número 589, de 26 de janeiro de 1835, página 3.

O documento, explica Ricardo, “deixa claro que os rebeldes já se auto proclamavam ‘Cabanos’, contrariando a ideia de que o termo só veio a ser usado tempos depois de terminado o movimento. Não entendo, o motivo que levou os sublevados a assim de denominarem continua sendo um mistério”.

O autor da proclamação é o “Tenente Coronel Comandante Felix Antônio Clemente Malcher”, o mais rico e o mais ponderado dentre os principais líderes da revolta. Ele elogia o capitão José Agostinho d’Oliveira, “patriota bem conhecido recheado de probidade patriotismo, e coragem, digno enfim do doce nome de Brasileiro Liberal”.

Grifo a expressão porque ela denota o apreço que, ao menos Malcher, dedica a essa condição. Ele a justifica logo em seguida: “Vós sois testemunhas dos Brasileiros que aqui existem expostos antes a morrer, do que serem novamente governados, com a dura vara de ferro do infame Despotismo”.

Ao menos para ele, que viria a se tornar a primeira vítima da cisão interna na liderança do movimento, em irrupção de radicalização, o liberalismo era a o melhor caminho para os paraenses se livrarem do despotismo, fosse o metropolitano, comandado de Portugal, ou o do nascente império, a partir do Rio de Janeiro. A posição dele, no Pará, portanto, coincidia com a de Felipe Patroni, na capital imperial.

Mas não com a de Batista Campos ou dos irmãos Angelim e Vinagre. Era como que o conflito entre girondinos e jacobinos na revolução francesa, de 46 anos antes. Tempo suficiente para que ela chegasse à distante Amazônia e servisse de inspiração para os cabanos, que, por sua vez, podem de alguma forma ser conectados à Comuna de Paris, de 1871. O elo entre os deserdados da sorte, do despotismo e do mando totalitário.

Ricardo manteve a escrita original no seu blog. Para uma melhor leitura por quem não está acostumado a um português arcaico, decidi atualizar a grafia quando a forma original prejudica o entendimento. Nos demais casos, não fiz a modificação para dar uma ideia da linguagem escrita da época, que frequentemente tomava por base a oralidade (o que favoreceria muito uma análise linguística, se ela fosse feita a partir, sobretudo, dos códices da correspondência de diversos com o governo, mantidos no Arquivo Público do Pará).

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Proclamação – Valerosos patriotas Paraenses, tenho a satisfação de vos comunicar, que o Déspota Presidente Bernardo Lobo de Souza, atemorizado de nossas valorosas flechas e baionetas, já existe abordo da Corveta Bertioga, de maneira que já não vem a terra, e também porque se vê solitário; pois o pequeno rebanho de escravos que o arrodeavam, já o abandonou, e o único recurso, que resta a esse malvado Presidente é fugir, ficando-nos assim o dissabor, de não o colher as mãos, para que fosse aqui mesmo punido os seus horrorosos crimes.

Paraenses já temos um destacamento da paragem denominada – Goiabal – de cento e trinta patriotas Brasileiros valerosos, de que é digno Comandante o Capitão José Agostinho d’Oliveira, patriota bem conhecido recheado de probidade patriotismo, e coragem, digno enfim do doce nome de Brasileiro Liberal. Vós sois testemunhas dos Brasileiros que aqui existem expostos antes a morrer, do que serem novamente governados, com a dura vara de ferro do infame Despotismo.

Viva a Santa Religião Católica Romana que professamos; Viva o Povo e Tropa Paraense, que sabe manter os seus sagrados direitos; Viva a Constituição e Santa Federação; Viva a Regência em nome do Imperador! Viva S. M. I. e Constitucional o nosso Jovem Patrício, o Snr. D. Pedro II. Engenho do Desterro, e Acampamento das forças Federais 24 de outubro de 1834. – O Tenente Coronel Comandante Felix Antônio Clemente Malcher.
Reconheço o sinal da Proclamação supra ser de Felix Clemente Malcher por ter todo o conhecimento do mesmo, e por semelhante que vi. Pará 3 de Novembro de 1834. – Em testemunho de verdade estava o sinal público. – Paulo Maria Perdigão. Está conforme. – Miguel Antônio Nobre Oficial Maior.

(Do Correio Official Paraense)

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