Qual a sua cabanagem?

Um leitor do blog me propôs a seguinte questão:

“Olá, Lúcio! Gostaria de saber sua opinião sobre o vídeo do jornalista Eduardo Bueno no qual ele fala sobre a Cabanagem. Considerando o formato e o tempo do vídeo, você acha que ele conseguiu resumir satisfatoriamente e sem grandes distorções a história? Ele cita versões diferentes nos relatos históricos de Domingos Raiol e de Caio Prado Jr., além de citar que o interventor José Malcher encomendou uma pesquisa do IHGP para fazer da Cabanagem uma metáfora que lhe fosse conveniente. O canal do Eduardo é voltado principalmente para jovens e o tal vídeo já tem quase 200 mil visualizações”.

O que pensar de um jornalista/historiador que começa o seu vídeo afirmando que a cabanagem irrompeu em 6 de janeiro de 1835?

Como ela só aconteceu a partir do dia seguinte, conclui-se que ele é mais um fabulador que viaja na fantasia, alheio aos fatos – aliás, como muitos que em nossos dias se dedicam a amoldar a história à sua visão do mundo, indiferentes a cada um dos contextos dos acontecimentos.

Não vou nem me ater a pontos controversos da cabanagem, a partir dos ensaios interpretativos, que abundam na academia e fora dela. A maior parte desses trabalhos ancorada na documentação reunida por Domingos Antônio Raiol, na segunda metade do século 19, frequentemente sem citar a fonte.

Eduardo Bueno não se vexa em afirmativas bombásticas, ditas como graça e recursos audiovisuais para atrair e entreter seu público.

Pra ele, além da província do Pará, havia na época a do Amazonas, que ele batizou antes que, quase duas décadas depois, o Rio Negro se tornasse Amazonas. Mesmo hoje, Bueno reduz a Amazônia a Amazonas, erro muito comum nos amazonólogos by computador ou avião.

Bueno acha que há os índios tapuios e os outros, com nome próprio, como maués ou muras.

O primeiro presidente cabano é Félix Málcher e não Malcher. E ele faz questão de repetir o erro para fazê-lo passar por acerto. Por isso que quando recebo um especialista em Amazônia que jamais pisou na vasta terrinha, proponho-lhe logo comermos uma lauta costeleta de aviú grelhada. Se aceita, ávido, já sei do que é mesmo especialista. Não em Amazônia, claro.

Há tantos erros e impropriedades no vídeo, de 13 minutos, como esquecer a participação decisiva da marinha na repressão à cabanagem e ofensa, dita com estupidez, ao barão de Guajará, autor – ainda – do melhor livro sobre a cabanagem, um dos maiores historiadores do Brasil.

Ele era mesmo contra o movimento popular, que matou seu pai, mas sem detoná-lo, como trombeteia Bueno. Pelo contrário: se dedicou com honestidade e competência a relatá-la com objetividade e compreendê-la. Só a partir desse momento pode condená-la. Eduardo Bueno, sem essas qualidades, é apenas um pregoeiro daquilo que os franceses chamam de faits-divers. Ou: lantejoulas históricas.