(Publicado no Jornal Pessoal 523, de outubro de 2012)
A maçonaria que interessa a Elson Monteiro é a da campanha abolicionista no Pará. É a ela, no período de 1870 a 188, que dedicou seu livro (Madras Editora, São Paulo, 142 páginas). É uma fase importante na transição da monarquia à república, que lança luzes sobre os pioneiros do republicanismo do Pará. Pioneira é também a pesquisa de Elson, a partir de agora referência bibliográfica indispensável.
Antecipo-me à conclusão da leitura do livro não só para recomendá-lo como para destacar uma questão essencial da cabanagem: por que os cabanos consideraram inimigos os maçons? Por que, na irrupção da revolta, propriedades maçônicas foram depredadas e seus adeptos perseguidos? Por que a maçonaria foi estigmatizada pelos que queriam se libertar do jugo explorador e da dominação política colonial?
Embora trate apenas lateralmente da questão, que antecedeu ao seu objeto de estudo, Elson partilha o entendimento de que o antagonismo entre maçons e cabanos foi resultado da campanha do cônego Batista Campos. Ressentido por não ter sido aceito na irmandade, como vingança propagou o ódio contra a maçonaria em todos os lugares, inclusive no púlpito e mesmo no confessionário.
Garantia que era uma instituição “parida pelo inferno para combater a Igreja e seus ministros”. Seus “tenebrosos fins” só seriam evitados se os cristãos de unissem contra ela. “Propalava ainda Batista Campos que os maçons defendiam a abolição da escravidão sem dar nenhuma garantia ao direito de propriedade”.
A partir dessa observação, Elson se coloca na contramão da doutrinação corrente sobre a cabanagem, estimulando uma nova forma de abordagem: “É interessante travarmos aqui uma discussão sobre essa questão, tendo em vista que a cabanagem é apresentada como uma revolução libertária e o seu principal ideólogo, Batista Campos, combatia o abolicionismo propagado pela Maçonaria, defendendo o direito de propriedade sobre seres humanos, os escravos.
Considere-se ainda que o historiador Vicente Salles, em seu livro Memorial da Cabanagem, faz referência a ‘pedreiros livres’, ou seja, maçons que se envolveram com o movimento e difundiram os ideais libertários da Revolução Francesa no Pará, considerando a ligação estreita da Maçonaria com esses ideais, conforme já demonstrado em seu histórico”.
Especula Elson se com tais informações Batista Campos não buscava a simpatia dos grandes proprietários de escravos: “A resposta a essa pergunta envolveria uma discussão sobre o caráter oportunista do ideólogo da cabanagem ou questionaria o texto de Manoel Barata”, outro grande historiador paraense, que era maçon.
A resposta requer documentos sobre as ideias que circulavam na época, sua materialização em escritos acessíveis e um rigoroso questionamento sobre sua relação com os fatos concretos. Esse trabalho inexiste. Até hoje a resposta cobrada criteriosamente por Elson não foi obtida, mas há dados suficientes para desautorizar qualquer mitificação em torno das grandes lideranças da cabanagem.
Felipe Patroni, que começou a subversão em 1820, era dono de escravos, embora defendesse a abolição. Esse paradoxo se manteve até sua morte. Malcher era grande proprietário de terras – e de escravos, naturalmente. Eduardo Angelim foi o principal comandante da revolta, mas reprimiu e até mandou matar ou matou os escravos que ultrapassaram os limites da sua ordem de comando.
Os Vinagres, também instalados no Acará, eram mais de combate. Todos foram ultrapassados pela dinâmica da revolta dos que não tinham contra os que tinham. Ao fim do ciclo de sangue e violência, não havia uma ordem nova, mas uma nova forma de organização da ordem anterior. Não só pela terrível repressão da Regência de Feijó e seguintes, mas certamente também porque os cabanos não sabiam o que fazer com o poder conquistado. O dia seguinte foi um desafio a que não podiam responder.